ENTRE AVENTAIS E COROAS: a Trama da Independência
Nas primeiras décadas do século XIX, o Brasil era um gigante de potencial reprimido. Sob as ordens de Lisboa (Portugal), tudo parecia imóvel, mas nas entranhas da sociedade colonial, algo borbulhava. E não era só o povo cansado das amarras ou os novos ventos de liberdade que sopravam desde as revoluções americana e francesa. Nas sombras dos salões e nos encontros discretos, os maçons desenhavam um plano audacioso. Entre eles, destacavam-se nomes como José Bonifácio, Gonçalves Ledo, e o próprio príncipe regente, Dom Pedro I.
A maçonaria brasileira, à época, era uma organização de elite, conectada aos ideais iluministas que já haviam incendiado o mundo ocidental. Mas, ao contrário de outras revoluções, no Brasil o caminho para a independência seria feito com sutileza, com uma costura complexa de alianças e influências. Era preciso agir com cautela. A independência do Brasil não foi um rompimento abrupto e revolucionário, com grande guerra civil, mas fruto de revoltas pontuais e uma "negociação cuidadosa," onde diversos atores, muitas vezes com agendas próprias, tiveram de convergir.
A loja maçônica "Comércio e Artes", no Rio de Janeiro, era o epicentro desses encontros. Ali, o jornalista Gonçalves Ledo e o líder político José Bonifácio se cruzavam, nem sempre de acordo, mas compartilhando o mesmo ideal: a autonomia do Brasil. Ledo, um radical entusiasta das ideias republicanas, queria uma ruptura rápida com Portugal. Já Bonifácio, o hoje conhecido como “Patriarca da Independência”, acreditava que o caminho mais seguro seria a monarquia, com Dom Pedro I como líder de um Brasil autônomo. O contraste entre os dois homens refletia as próprias tensões internas da maçonaria e da sociedade da época.
A sociedade brasileira, dividida entre escravizados, libertos e a elite colonial, também estava em ebulição. O povo, ainda alheio aos detalhes dos conchavos políticos, ansiava por mudanças, embora sua voz fosse frequentemente silenciada pelos interesses das classes dominantes. Mesmo assim, os movimentos populares, muitas vezes catalisados por publicações subversivas e debates em círculos de intelectuais, contribuíram para o fervor crescente. As ruas começavam a sussurrar o que nos salões secretos já se gritava: o Brasil não poderia mais ser uma extensão de Portugal.
Em meio a tudo isso, estava Dom Pedro I. Educado, mas moldado pelos interesses políticos, o jovem príncipe era uma peça crucial nesse tabuleiro de xadrez. Se por um lado Ledo e Bonifácio tentavam convencê-lo de seus respectivos projetos de nação, por outro, sua esposa, Princesa Leopoldina, exercia um papel essencial. Ela não era apenas a princesa vinda da Europa para cumprir um papel decorativo. Dona Leopoldina, erudita e estrategista, tornou-se conselheira política, uma das poucas vozes que Pedro realmente escutava com atenção.
Foi Dona Leopoldina, de fato, quem assumiu o governo enquanto Pedro viajava. Em uma de suas cartas ao marido, ela foi direta: "O momento é agora. Declare a independência antes que seja tarde." A influência da princesa foi decisiva para que o “grito” de independência fosse dado no momento certo, numa mistura de circunstâncias calculadas e de pressão popular. Em 7 de setembro de 1822, à beira do rio Ipiranga, em condições controversas e após muita costura política, é entoado o espírito “Independência ou Morte”.
O processo, contudo, não foi sem atritos. A maçonaria, que inicialmente unia homens como Bonifácio e Ledo, viu-se também fragmentada. Ledo, com sua visão mais republicana, se afastou do processo, desiludido com a permanência de Pedro no trono e a condução do novo Brasil. Bonifácio, por sua vez, enfrentou resistência dentro da corte e acabou afastado. No fim, a maçonaria desempenhou seu papel como o catalisador das ideias, mas as disputas internas e o jogo de interesses políticos transformaram o projeto de nação em algo muito além dos sonhos originais.
E a sociedade? Esta foi, como de costume, a última a colher os frutos da independência. As promessas de liberdade, igualdade e fraternidade não se concretizaram de imediato. O Brasil, após a independência, permaneceu com profundas desigualdades sociais e o sistema escravagista continuou a alimentar a economia. A independência, em muitos aspectos, foi uma vitória para os poderosos. Isto é, uma independência de retorica política, sem profundas revoluções, mantendo amarras sociais.
Assim, ao olhar para o 7 de setembro, é preciso enxergar além do mito. Sim, houve heroísmo, houve audácia, mas também houve traição, disputas e interesses pessoais. A maçonaria, em suas diversas vertentes, foi um dos motores, mas não o único. A história é um caleidoscópio de forças e vozes, algumas silenciadas, outras amplificadas. E no Brasil de 1822, todas essas forças se encontraram para, de algum modo, costurar a trama da independência. Uma trama que, tal como a maçonaria, sempre guardará seus segredos e ambiguidades, deixando-nos a refletir sobre o que realmente significa ser livre.
Parabéns pelo excelente texto, muito elucidativo.